21 de setembro de 2009

O AMOR E O OUTRO

Não amo melhor
nem pior do que ninguém.

Do meu jeito amo.
Ora esquisito, ora fogoso,
às vezes aflito ou ensandecido de gozo.
Já amei até com nojo.

Coisas fabulosas
acontecem-me no leito.
Nem sempre de mim dependem, confesso.
O corpo do outro
é que é sempre surpreendente.

(Affonso Romano de Sant'Anna)

De Clarice Lispector: SAUDADE

Saudade é um pouco como fome.
Só passa quando se come a presença.
Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda.
Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

10 de setembro de 2009

JULGAMENTO


"Ora... basta que haja a possibilidade de uma única pessoa desigual no mundo, distante do preceito de quem julga, para se cumprir o dever ético de primeiro buscar conhecer aquele que se quer julgar, ter consciência dos vários critérios de julgamento, permanecer autocrítico e humilde, para só depois afirmar conhecimentos da individualidade de alguém."

Will Goya

40 ANOS

Os 40 anos são uma idade terrível.
É a idade em que nos tornamos naquilo que somos.

(Charles Péguy)

AUSENCIA


Quero dizer-te uma coisa simples:a tua ausência dói-me.
Refiro-me a essa dor que não magoa, que se limita à alma; mas que não deixa,
por isso, de deixar alguns sinais - um peso nos olhos, no lugar da tua imagem, e
um vazio nas mãos, como se as tuas mãos lhes tivessem roubado o tacto.
São estas as formas do amor, podia dizer-te; e acrescentar que as coisas simples também podem ser complicadas, quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade.
Porém,é o sonho que me traz a tua memória; e a realidade aproxima-me de ti, agora que os dias correm mais depressa, e as palavras ficam presas numa refracção de instantes,quando a tua voz me chama de dentro de mim - e me faz responder-te uma coisa simples,como dizer que a tua ausência me dói.

(Nuno Júdice - do livro: Por Dentro do Fruto a Chuva - Antologia Poética)

8 de setembro de 2009

ACREDITEI

Acreditei que se amasse de novo esqueceria outros,
Pelo menos três ou quatro rostos que amei,
Num delírio de arquivística,
Organizei a memória em alfabetos,
Como quem conta carneiros e amansa
No entanto flanco aberto não esqueço,
E amo em ti os outros rostos

(Ana Cristina Cesar)

6 de setembro de 2009

INFELICIDADE


Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma coisa para trincar
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim.

(Alberto Caeiro)